Casa de Criadores 56: primeiro dia do evento de moda autoral

O primeiro dia da Casa de Criadores, nesta terça-feira (22) no Centro Cultural São Paulo (CCSP), deu o tom de uma semana intensa de moda autoral, um prato cheio de criatividade, identidade e propósito, misturando a volta de nomes consagrados com a apresentação de novos talentos. Com 33 desfiles programados até o dia 27 de julho, esta edição reforça o compromisso da Casa de Criadores em ser uma vitrine para a potência criativa e produtiva dos designers brasileiros.

Fábia Bercsek

Um dos pontos altos da noite foi o retorno de Fábia Bercsek ao line-up. A estilista apresentou uma coleção que é um verdadeiro manifesto sobre upcycling e ressignificação. Fábia trouxe para a passarela peças que estavam em seu próprio guarda-roupa ou foram garimpadas em lojas do Brás e Bom Retiro.


 Desfile de Fábia Bercsek (Foto: reprodução/Instagram/@casadecriadores)

Moletinhos de cintura baixa, blusas de malha justas e maxi-hoodies foram alguns dos itens desfilados. Sua coleção não segue um modelo tradicional de grades de tamanhos ou estoque, celebrando a exclusividade e a arte vestível.

Ken-gá

Ken-gá trouxe sua irreverência característica para a passarela com a coleção “Parashock”, referência à peça automotiva que protege caminhões contra impactos, sendo um ponto de partida para explorar silhuetas casulo, simbolizando mulheres mais “fechadas” ou protegidas.


Desfile de Ken-gá (Foto: reprodução/Instagram/@casadecriadores)

A marca resgatou suas raízes ao apostar fortemente em acessórios e beachwear, que faziam parte do DNA da Ken-gá antes do foco em roupas. A coleção foi permeada pelo tema do amor entre mulheres, com referências poéticas ao imaginário caminhoneiro brasileiro.

Lucas Caslú

Nesta edição, o público da Casa de Criadores foi apresentado a Lucas Caslú, vencedor da 3ª edição do Desafio Sou de Algodão, com a coleção “Experimentos”. Caslú focou nas múltiplas possibilidades do algodão, em diferentes texturas e modelagens, provando que um material tão comum pode ser a base para criações cheias de personalidade.


Desfile de Lucas Caslú (Vídeo: reprodução/Instagram/@mosomagazine)

ALEBRITOxStudio115

Fechando o primeiro dia com chave de ouro, a parceria entre Ale Brito e Studio115. Ale Brito preferiu evitar um tema específico para a coleção, optando por revisitar e aprimorar silhuetas anteriores que já são sua marca registrada. Elementos do guarda-roupa masculino, como ternos, camisas e calças, foram desconstruídos e reconstruídos de forma inovadora.


Desfile Ale Brito e Studio115 (Vídeo: reprodução/Instagram/@mosomagazine)

Drapeados fluidos combinaram a leveza dos tecidos com a estética marcante do estilista. A intenção principal dessa parceria foi mostrar que a moda autoral pode ir além das coleções sazonais, com aceitação de pedidos sob medida para os interessados.

Além dos desfiles incríveis, a Casa de Criadores 56 dedica espaço para mostras de inovação têxtil, apresentando, por exemplo, tecidos de jeanswear da Santista e artigos feitos com fios REPREVE. Esses materiais de alta tecnologia são utilizados por diversos estilistas do line-up, mostrando que a união entre design e tecnologia funciona muito bem.

Lucas Caslú transforma moda em performance na Casa de Criadores

No primeiro dia da 56ª edição da Casa de Criadores, quem roubou a cena foi Lucas Caslú. Vencedor da última edição do Desafio Sou de Algodão, o designer goiano estreou no line-up oficial do evento com a coleção “Experimentos”, uma explosão de criatividade, coragem estética e sensibilidade artística.

Mais que um desfile, a Caslú apresentou uma performance cheia de vida. A passarela da sala Tarsila do Amaral, no Centro Cultural São Paulo, se tornou um palco para uma narrativa visual intensa, onde moda, artes plásticas e música se comunicavam em tempo real. Máscaras cenográficas, texturas contrastantes e composições ousadas deram o tom da apresentação – um espetáculo em que cada look parecia, à sua maneira, reivindicar o direito de ser arte.

Estreia com peso e poesia

Natural de Goiânia, Lucas Caslú tem moldado sua linguagem autoral ao misturar o cotidiano com o onírico. Em “Experimentos”, o estilista se aprofundou em seu próprio repertório pessoal para criar peças que resgatam seus mais diversos croquis antigos, seus estudos já esquecidos e ideias que ressurgem com novos significados. O resultado disso tudo foi uma coleção que não buscou uma coerência formal, mas sim uma harmonia espontânea de forma quase instintiva, como se estivesse costurando lembranças com o fio da invenção.


 


Criação de Lucas Caslú (Foto: Reprodução/Instagram/@lucascaslu)

Diferente do que encontramos no desafio anterior, onde os looks se destacavam pela leveza e harmonia, Caslú agora nos surpreende com uma proposta rica em contrastes e surpresas. Cada look carrega uma identidade própria, sem medo do excesso. Jeans, sarja, tricoline e voil se encontram em sobreposições nada convencionais, criando texturas e volumes que desafiam as convenções da silhueta.



As máscaras que os modelos usaram – que realmente chamaram a atenção do público e da crítica – não são apenas um acessório, mas sim uma extensão do conceito central: o sujeito híbrido, fragmentado e em constante transformação. Algumas delas foram criadas em colaboração com artistas visuais, como Ivaan Hansen, o que reforça o desejo de Caslú de ultrapassar as fronteiras entre moda e arte.

Moda que se move com o tempo

A Casa de Criadores é voltada sobre valorizar a autoria e a expressão da identidade, os princípios que se refletem de maneira poderosa no trabalho de Caslú. Optar pelo algodão como material principal vai além de uma escolha técnica; é uma decisão política que reafirma a conexão com um tecido que representa ancestralidade, sustentabilidade e a transformação cultural no Brasil.


Finalização do desfile de Lucas Caslú na 56ª edição da Casa de Criadores (Vídeo: Reprodução/Instagram/@mosomagazine)

Mais que roupas, o que se viu na passarela foram verdadeiras manifestações. Franzidos, babados, costuras manuais, assimetrias e recortes inusitados compuseram um grandioso mosaico visual que parecia pulsar com urgência na passarela. Há algo de teatral em “Experimentos”, mas sem perder o vínculo com a rua – um equilíbrio raro entre o conceitual e o possível.

Nova geração, novos caminhos

Com a estreia de Lucas Caslú, a Casa de Criadores se reafirma como um espaço que destaca uma nova geração de estilistas brasileiros, que enxergam a moda como um gesto tanto político quanto poético. Caslú representa essa juventude vibrante e cheia de referências, que não se satisfaz em apenas “estar na moda”, mas busca realmente transformá-la.


Lucas encerrando seu desfile na 56ª edição da Casa de Criadores (Foto: Reprodução/Instagram/@lucascaslu)

Com formação em Moda pela Universo e uma passagem pela Universidade Federal de Goiás no curso de Artes Visuais, o designer representa perfeitamente a diversidade do seu tempo: ele é artista, artesão, performer e comunicador. E mais do que prometer, já entrega consistência e personalidade.

Como o próprio estilista declarou antes do desfile, esse momento marca não apenas uma estreia, mas uma permanência. “Sinto que é aqui que preciso estar, onde posso fazer moda com significado”, disse Caslú em entrevista.

Sua performance deixou claro: o futuro da moda brasileira já começou — e ele veste máscaras, algodão cru e coragem.